A coisa mais básica que pensou saber sobre girafas está errada – de facto, há quatro espécies de girafas, não uma, anunciaram hoje os cientistas: a girafa do sul, a girafa Masai, a girafa reticulada, e a girafa do norte. Geneticamente, elas são tão distintas como os ursos pardos são dos ursos polares. A divisão de hoje tem implicações importantes para a conservação porque algumas destas espécies recentemente descobertas estão em grave perigo, restando apenas alguns milhares de indivíduos na natureza.
As descobertas inesperadas, descritas num estudo publicado hoje na revista Current Biology, mostram o pouco que sabemos sobre um dos animais mais icónicos do mundo. São também uma ilustração viva do quanto ainda temos de fazer para garantir que as girafas não desapareçam devido à caça furtiva e à perda de habitat.
Girafas são os mamíferos mais altos do nosso planeta. Até agora, os investigadores tinham pensado que todas as girafas pertenciam apenas a uma espécie, composta de até nove subespécies que pareciam ligeiramente diferentes umas das outras. Alguns estudos anteriores, incluindo um em 2007, mostraram que os grupos de girafas têm algumas diferenças genéticas, mas esses estudos não reconheceram que essas diferenças genéticas são suficientemente profundas para dar conta de espécies separadas. O estudo de hoje foi o primeiro a realizar uma análise genética exaustiva de todas as nove subespécies de girafa, e os testes mostraram claramente que existem quatro espécies geneticamente distintas da criatura.
“Nós próprios ficámos muito surpreendidos. Não esperávamos encontrar espécies”, diz Axel Janke, professor do Centro de Investigação sobre Biodiversidade e Clima de Senckenberg, na Alemanha, e um dos autores do estudo.
A investigação começou há cinco anos, quando Janke foi abordada por Julian Fennessy, o co-director e co-fundador da Fundação para a Conservação da Girafa na Namíbia. Fennessy queria realizar alguns testes genéticos para saber como as girafas em partes distintas de África são semelhantes umas às outras. O objectivo era ajudar Fennessy num esforço de conservação em que deslocasse as girafas para parques ou áreas protegidas. Então ele queria saber se estava a misturar girafas de formas que não devia. (Se girafas geneticamente diferentes se cruzassem, isso acabaria por conduzir a uma população de girafas menos diversificada – e a biodiversidade é fundamental para um ambiente saudável.)
Então Fennessy ajudou Janke a recolher tecido de 190 girafas. As amostras foram recolhidas com dardos que são disparados sobre as girafas à distância; após o dardo atingir o animal, este captura um pequeno pedaço de tecido de girafa e depois cai ao chão. Janke e outros investigadores analisaram então o ADN das amostras. Analisaram tanto o ADN mitocondrial, que é o ADN transmitido pelas mães aos seus descendentes, como sete marcadores genéticos específicos – pedaços de material genético que podem indicar se as populações pertencem a espécies diferentes. As diferenças genéticas levaram os investigadores a declarar quatro espécies, onde antes só existia uma.
Estas espécies vivem em áreas diferentes em África, mas mesmo em países onde parecem viver lado a lado, como o Quénia, não parecem cruzar-se, diz Fennessy, que é um dos autores do estudo. As espécies também parecem ligeiramente diferentes umas das outras: a girafa Masai, por exemplo, é visivelmente mais escura, com manchas separadas por linhas irregulares e castanhas claras até às suas pernas. A girafa reticulada tem manchas castanhas-alaranjadas separadas por linhas grossas e brancas brilhantes. Agora, precisamos de compreender se as espécies se comportam de forma diferente, se têm sistemas de acasalamento diferentes, se estão adaptadas a climas diferentes, e o que mais as distingue, diz Janke.
O estudo é particularmente importante para a conservação da girafa. No total, restam apenas 80.000 girafas em África, 40% menos do que há 15 anos. Apesar disso, a girafa ainda está listada como “menos preocupante” na Lista Vermelha da IUCN, que indica o estado de conservação de plantas e animais. Há alguns meses, um grupo especializado que trabalha para a conservação das girafas e dos seus parentes mais próximos, o okapi, solicitou que a girafa ganhasse um estatuto de “ameaçada” na lista, tendo em conta a sua população em declínio. (A “actualização” é esperada em Dezembro, diz Fennessy.) Mas o estudo de hoje indica que algumas das espécies de girafas não estão apenas ameaçadas, na realidade já se encontram em perigo.
“Isto lança uma luz muito diferente sobre o que está a acontecer”, diz Douglas Cavener, geneticista e professor de biologia da Universidade de Penn State, que não esteve envolvido no estudo. “O declínio das populações de girafas tem sido tão dramático que duas ou três destas espécies poderão desaparecer até ao final deste século”
Por exemplo, a girafa do norte tem menos de 4.750 indivíduos na natureza. A girafa reticulada tem menos de 8.700 indivíduos. (A girafa do sul é a única com números que estão a aumentar). A esperança, diz Fennessy, é que as quatro espécies acabem por ser incluídas na Lista Vermelha da IUCN, com o seu próprio estatuto de conservação individual. “Elas precisam de ser protegidas, caso contrário perdemo-las, perdemos a sua identidade genética”, diz Janke. “Se se perde uma espécie … não se pode simplesmente substituí-la”
As razões pelas quais tivemos de esperar até 2016 para descobrir que existem quatro espécies de girafas em vez de apenas uma, dizem os investigadores, mostram quão pouca investigação científica tem sido conduzida sobre este animal icónico. “Coloca em perspectiva o quão pouco sabemos sobre as girafas”, diz Janke. “Elas são animais grandes e simpáticos. Dificilmente se pode sentir a sua falta, mas eles não ganharam o interesse da ciência”