Quando me pedem para nomear o vírus humano mais letal, nunca hesito em nomear o vírus da raiva. A infecção com este vírus é quase sempre fatal; apenas três indivíduos não vacinados foram conhecidos por sobreviver. Novas evidências de humanos na Amazónia peruana sugerem que o vírus pode ser menos letal do que se acreditava anteriormente.
p>O vírus da raiva é tipicamente transmitido aos humanos pela mordedura de um mamífero infectado, muitas vezes um carnívoro ou um morcego. Recentemente, tem havido numerosos surtos de raiva no Peru que têm sido associados a picadas de morcegos vampiros. Foi realizado um estudo de duas comunidades em risco de picadas de morcegos vampiros para determinar se poderia ocorrer infecção subclínica com o vírus da raiva. Mais de metade dos 92 indivíduos entrevistados relataram ter sido mordidos por morcegos. Foram detectados anticorpos neutralizantes contra o vírus da raiva em 7 de 63 amostras de soro obtidas a partir desta população. Foram encontrados anticorpos contra a nucleoproteína viral em três indivíduos, dois dos quais também foram positivos para anticorpos neutralizantes virais. Todos os 9 indivíduos seropositivos indicaram ter tido anteriormente contacto com um morcego (uma mordedura, arranhão, ou contacto directo com pele desprotegida). Um destes indivíduos tinha recebido anteriormente a vacina contra a raiva.
A descoberta de anticorpos neutralizantes contra o vírus da raiva sugere que estes indivíduos estavam provavelmente infectados, mas não desenvolveram uma doença fatal. É também possível que tenham recebido uma dose suficientemente grande de vírus para induzir anticorpos, mas que a replicação viral não tenha ocorrido. Outra explicação para os resultados é que estes indivíduos foram infectados com um vírus desconhecido altamente relacionado com o vírus da raiva, mas que não é patogénico para os humanos.
Existiram numerosos estudos de seroprevalência da infecção por raiva na fauna selvagem. Por exemplo, as raposas e outros canídeos têm taxas de seroprevalência baixas (0-5%), enquanto 5-50% dos morcegos podem abrigar anticorpos neutralizantes da raiva, indicando que estes animais são menos susceptíveis à raiva fatal. Em contraste, tem havido poucos estudos sobre a seroprevalência da raiva em humanos. Num estudo realizado com 30 caçadores de guaxinins na Florida, foram encontrados baixos níveis de anticorpos neutralizantes do vírus da raiva em 2 amostras. Baixos títulos de anticorpos neutralizantes foram também detectados em 9 de 31 caçadores inuítes canadianos; num estudo separado, foram detectados títulos elevados de anticorpos anti-rábicos no soro de 1 de 26 caçadores de raposas do Alasca. Todos estes indivíduos não tinham sido imunizados com vacina contra o vírus da raiva.
O vírus da raiva causa 55.000 mortes humanas por ano, pelo que mesmo que os resultados do estudo peruano indicassem uma infecção subclínica, teriam pouco impacto na taxa de mortalidade associada à infecção de quase 100%. São necessários estudos mais extensivos para determinar se a infecção não fatal da raiva humana é mais comum do que se crê. Compreender por que razão alguns indivíduos não morrem após a infecção pode revelar factores imunológicos e genéticos que protegem contra a doença.
p>Amy T. Gilbert, Brett W. Petersen, Sergio Recuenco, Michael Niezgoda, Jorge Gómez, V. Alberto Laguna-Torres e Charles Rupprecht. Evidência da Exposição ao Vírus da Raiva entre Humanos na Amazónia Peruana. Am. J. Trop. Med. Hyg. 87:206 (2012).p>Related:p>Como é letal o ebolavírus?p>P>Devíamos temer a gripe aviária H5N1?