DISCUSSÃO
Placenta percreta é a forma mais extrema de placenta acreta e é uma complicação rara mas grave da gravidez. A placenta acreta é uma fixação ou invasão anormal da placenta no miométrio.1 Foram descritos três graus: placenta acreta verdadeira, onde as vilosidades são aderentes ao leito do miométrio sem invasão; placenta increta, onde as vilosidades invadem o músculo; e placenta percreta, onde há penetração total da espessura do miométrio.2
A incidência da placenta acreta aumentou de 1 por 30739 entre 1930 e 1950 para 1 por 7270 na década de 1970.3 A incidência da placenta percreta foi estimada em cerca de 1 por 90 000 partos,4 o que equivaleria a cerca de 6 casos por ano no Reino Unido.
Os factores predisponentes ao desenvolvimento da placenta acreta incluem: cesariana prévia, curetagem uterina, remoção manual da placenta, e placenta praevia.5 A incidência crescente da placenta acreta pode ser devida ao aumento da frequência do parto cesáreo.6,7
A apresentação clínica da placenta acreta depende do grau de penetração da placenta no útero e inclui hemorragia vaginal, ruptura uterina, hemorragia intra-abdominal, e invasão da bexiga.7 Tem sido utilizada a ecografia para avaliar o útero em gravidezes em risco de placenta acreta. Contudo, a extensão do envolvimento extra-uterino não pôde ser consistentemente demonstrada.1,8 Assim, a ecografia é útil no cenário agudo para a detecção de líquido intraperitoneal, mas não pode diagnosticar com fiabilidade a placenta percreta.
Em retrospectiva, os sintomas do tracto urinário experimentados pela nossa paciente podem ser considerados como um “aviso” e podem ter sido devidos à irritação da bexiga pela placenta invasora. Contudo, se não tivesse ocorrido qualquer hemorragia nesta fase, é improvável que a ecografia tivesse diagnosticado o problema.
Este caso também demonstra como um paciente jovem pode compensar a perda substancial de sangue. A rápida descompensação pode ocorrer e é essencial uma monitorização de perto se houver suspeita de hemorragia em curso. A presença de acreta placenta aumenta a mortalidade materna em 10%. No relatório sobre mortes maternas publicado em 2001,9 duas mortes foram atribuíveis à placenta acreta. Num destes casos, apesar da antecipação de hemorragia e de cuidados exemplares, o doente ainda morreu devido à perda maciça de sangue.
Haemoperitoneum e ruptura uterina devido à placenta percreta requer normalmente histerectomia. A cirurgia conservadora tem sido descrita e inclui a ressecção localizada do local de implantação da placenta, supervisão, dissecção romba, e técnicas de embalagem.1,7 Contudo, tais técnicas têm sido associadas a uma mortalidade mais elevada, e a sua utilização é provavelmente limitada a acreta menos extensa, onde a hemorragia é mínima.7
Placenta percreta é rara, mas à medida que o número de partos de cesariana aumenta, o mesmo acontecerá com o número de mulheres em risco. A placenta percreta deve ser considerada no doente grávida com factores de risco de fixação placentária anormal que apresente dor abdominal e evidência de hemorragia. O diagnóstico precoce e o tratamento cirúrgico imediato podem reduzir a mortalidade materna.