A Ordem dos Advogados Americana é Passé?

A American Bar Association (ABA) está atolada numa queda. A organização, outrora geradora de energia, prestes a marcar o seu 140º aniversário, está atolada em más notícias. O número de membros está em declínio; as receitas estão em baixa; o défice operacional do ano passado foi de $7,7 milhões, levando a uma redução orçamental de $11 milhões; os despedimentos e as ofertas de compra são galopantes; e um ex-funcionário desviou $1,3 milhões da organização. A influência da ABA, dentro e fora da indústria legal, está a diminuir. Para pedir emprestado à Rainha Isabel II, tem sido um “annus horribilis” para a ABA.

Porquê é que a ABA perdeu o seu mojo e o que – se alguma coisa – pode fazer para o restaurar? Um artigo recente da Aebra Coe in Law 360 oferece várias explicações para a decadência da ABA – concorrência de uma pletora de associações legais direccionadas, o surgimento de redes/ meios de comunicação social online, inovação tecnológica, e o envelhecimento da ABA. Essas razões são certamente importantes, mas não vão ao cerne do problema da ABA.

A ABA é Estática numa Era Dinâmica

A maior razão para a decadência da ABA – não citada no artigo da Sra. Coe – é o apoio da organização à guilda legal. A ABA não conseguiu usar a sua influência para rever os regulamentos provinciais, anacrónicos e proteccionistas que não servem aqueles que necessitam de serviços legais, os consumidores legais existentes, e a sociedade. O actual quadro regulamentar que tem procurado obstinadamente preservar perpetua o mito do excepcionalismo dos advogados, separando o mundo em “advogados e “não advogados””

Esta é a era do consumidor. A ABA está a funcionar na era do advogado. A crise financeira global, os rápidos avanços tecnológicos, a globalização, e a digitalização têm gerado perturbações em múltiplas indústrias. Os disruptores têm aproveitado capital, tecnologia e mão-de-obra ágil para criar novas estruturas empresariais e modelos de entrega que oferecem aos clientes um maior acesso, escolha e transparência. Em vez de liderar esforços para alinhar a profissão/ indústria jurídica com a nova ordem empresarial, a ABA está a defender firmemente o status quo da lei.

A influência da ABA foi também diluída pela sua aplicação laxista da acreditação da faculdade de Direito e por uma reticência em avançar com a reforma da educação e formação jurídica. Há dois anos, a ABA foi chamada à tarefa pelos seus fracassos. O Comité Consultivo Nacional sobre Qualidade e Integridade Institucional (NACIQI), um ramo do Departamento de Educação, repreendeu a ABA pela sua falta de atenção às realizações dos estudantes, bem como por uma série de outras deficiências. O NACIQI relatou as descobertas que têm obstado à ABA e às faculdades de direito durante anos – propinas de alta qualidade, matrículas de estudantes apesar da incapacidade esperada de passar a fasquia, estatísticas de emprego enganosas, e dívidas massivas dos estudantes. Paul LeBlanc, membro da NACIQI, descreveu a ABA como estando “fora de contacto com a profissão”

A avaliação dura do Sr. LeBlanc resume o problema central da ABA: está fora de contacto com a profissão, estudantes, consumidores legais, e as dezenas de milhões que necessitam de serviços legais. A resistência da organização a mudanças significativas tem produzido consequências desastrosas na educação jurídica – o endividamento dos estudantes de Direito, a diminuição das candidaturas/inscrições nas faculdades de Direito, graduados que carecem tanto de competências de prática como de competências aumentadas que incluem fundamentos de negócios, análise de dados, gestão de clientes, conhecimento do mercado, gestão de projectos e colaboração, entre outros.

A resistência da ABA à reforma regulamentar e a sua abordagem de tamanho único ao ‘PeopleLaw’ (a/k/a a lei de retalho) e ao segmento empresarial diminuiu a sua posição e credibilidade em ambos os segmentos de mercado. A ABA opôs-se repetidamente à reforma regulatória que iria expandir serviços legais acessíveis e acessíveis a milhões de pessoas em extrema necessidade. A sua razão de ser para fazer a protecção do público – é ridícula. A supervisão profissional é certamente importante, mas não deve ser confundida com a regulação do negócio do direito e como, por quem, e de que fontes de financiamento são prestados os serviços jurídicos. Muitos serviços jurídicos não requerem advogados e devem ser prestados por paraprofissionais e máquinas. Como pode a ABA racionalizar a “protecção do público” como base para a estase reguladora num país onde aproximadamente 80% da população e 65% dos negócios não podem pagar aos advogados? As estatísticas do U.S. Census Bureau do Censo Económico revelam que o sector da Lei do Povo diminuiu em quase 7 mil milhões de dólares (10,1%) entre 2007 e 2012. É provável que esse declínio continue quando o próximo censo for reportado. Tradução: a ABA está de pé mesmo quando uma situação má se agrava.

A relutância da ABA em se envolver na re-regulamentação levou os consumidores legais das empresas a envolverem-se na auto-ajuda regulamentar. É por isso que tanto trabalho tem migrado de escritórios de advogados para departamentos jurídicos internos, sociedades de advogados (a/k/a ‘fornecedores de serviços jurídicos alternativos), e empresas de tecnologia jurídica. A ABA não conseguiu adaptar-se – e muito menos liderar – a mudança fundamental na forma como o trabalho jurídico das empresas é feito. O resultado é uma maior erosão da marca ABA e relevância no mercado.

O Bom Trabalho da ABA é Eclipsado pela sua Defesa do Grémio

A ABA tem dado muitas contribuições positivas à profissão e à sociedade que serve. O seu apoio a veteranos, imigrantes, e outros grupos em risco é admirável. Assim como os seus esforços para encorajar o trabalho pro bono, a diversidade, e muitas outras causas importantes. Está a tomar medidas para alinhar melhor a sua própria – e a profissão – com um mercado em mudança. O Centro de Inovação e a sua nomeação do reitor Dan Rodriguez como presidente é um exemplo. Mas os esforços de “boas notícias” são ensombrados pela incapacidade histórica da ABA de conciliar a prática e o negócio do direito; a profissão e a indústria; os interesses desalinhados das parcerias tradicionais entre escritórios de advogados e consumidores; representação legal e serviços jurídicos acessíveis; e auto-regulação que serve os advogados, não os consumidores legais e a sociedade.

O declínio da ABA também pode ser explicado pela sua incapacidade de aderir aos objectivos centrais da sua Declaração de Missão: (1) servir os membros; (2) melhorar a profissão; (3) eliminar preconceitos e promover a diversidade; e (4) promover o Estado de direito. Os membros não estão obviamente a ser servidos – as suas fileiras constituíram outrora metade de todos os advogados americanos licenciados e agora a percentagem é inferior a 25%. A imagem da profissão de advogado está a corroer; os advogados foram recentemente classificados entre os menos confiáveis de todas as vocações. Entretanto, a profissão de advogado tem taxas altíssimas de divórcio, suicídio, abuso de álcool e drogas, doenças relacionadas com o stress, e insatisfação laboral. Apesar dos seus esforços para promover a diversidade e a igualdade de oportunidades, a ABA preside a uma profissão que tem um problema de casa de vidro. As mulheres advogadas ainda não recebem o mesmo que os homens, os advogados minoritários não representam uma parte proporcional dos cargos superiores, e os estudantes de direito mais pobres – muitas vezes minorias – estão a suportar o fardo mais pesado da dívida da faculdade de direito.

Como pode a ABA afirmar que está a fazer avançar o Estado de direito, quando mais de 80% dos americanos não podem permitir-se uma representação legal e a maioria das pequenas empresas também não? Como observou Derek Bok, advogado e ex-presidente da Universidade de Harvard, “Há demasiada lei para aqueles que a podem pagar e muito pouca para aqueles que não podem”. A ABA tem permanecido de pé enquanto a Ordem dos Advogados do Estado tem tentado incessantemente – e sem sucesso – afastar fornecedores inovadores como a LegalZoom e a Rocket Lawyer do mercado, com reivindicações sem fundamento de prática não autorizada de direito (UAL).

Taps for the ABA?

Resposta curta: sim– a menos que a ABA se envolva numa reinicialização. Deve reconhecer, aceitar, abraçar, e liderar corajosamente uma profissão/indústria que é MUITO diferente do que era até há alguns anos atrás. Para ser uma voz potente de e para essa indústria, o ABA tem de se erguer ou enfrentar um doloroso deslize para o abismo. Tem de usar o seu poder regulador para alcançar os resultados desejados – acesso jurídico internacional, educação jurídica concebida para as necessidades do mercado, melhor prestação jurídica, diversidade, uma força de trabalho ágil, prática interdisciplinar que forneça soluções holísticas para problemas complexos, profissionais jurídicos, alguns – mas não todos – advogados licenciados, utilizando capital para escalar e proporcionar um acesso mais amplo e melhorado aos serviços jurídicos, e abrindo a prestação jurídica a uma série de novos modelos de prestação que proporcionam aos consumidores um maior acesso, escolha, transparência, e compreensão do processo jurídico.

A profissão/ indústria jurídica necessita de uma voz forte, e a ABA poderia servir esse papel. Deve defender – não resistir – novas ferramentas, estruturas, modelos de entrega, prática interdisciplinar, capital, e profissionais do direito – não se limitando aos advogados licenciados – para resolver os problemas perversos do direito. Tem de se realinhar com o público e os consumidores, e não ceder a advogados. Essa transformação não será fácil. Exigirá coragem, liderança, sangue novo, e a percepção de que a ABA está a viver o seu ‘momento Kodak’ – e não o sorridente, feliz.

Conclusão

A marginalização da ABA surge numa altura em que o Estado de direito está sob cerco. É imperativo não só para a profissão/indústria mas também para a sociedade que a profissão jurídica fale com clareza, unanimidade, credibilidade, e transparência. O seu fracasso será mais um prego no caixão da democracia.

A ABA tem muitos oficiais, funcionários e membros dedicados. Está na altura de olharem para o quadro geral, em vez de molestarem os membros. O sucesso ou fracasso da ABA é importante para um círculo eleitoral muito mais amplo do que os seus restantes membros. Todos deveríamos estar a torcer pelo seu sucesso.

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