Ezequiel – Profetas e Profecias

Ezekiel – Profetas e Profecias

30 de Novembro de 1999

p>Sean Goan vê o livro de Ezequiel, caracterizado por profecias baseadas em quatro estranhas visões, como uma das mais interessantes e desafiantes do Antigo Testamento.

Ezequiel é o único profeta a ter recebido a sua vocação fora da terra de Israel. O profeta era um sacerdote no

Sean Goan vê o livro de Ezequiel, caracterizado por profecias baseadas em quatro estranhas visões, como uma das mais interessantes e desafiantes do Antigo Testamento.

Ezequiel é o único profeta a ter recebido a sua vocação fora da terra de Israel. O profeta era um sacerdote no templo de Jerusalém, numa época de considerável convulsão política e religiosa. Os babilónios eram a potência mundial dominante, mas os líderes em Judá esperavam, através de alianças com o Egipto, escapar às suas garras. Jeremias tinha-os avisado que esta estratégia acabaria em desastre, mas foi ignorado. Em 597, para mostrar o seu poder e domínio, os babilónios levaram muitos dos cidadãos de Jerusalém para o exílio e substituíram o rei por um da sua própria escolha. Entre os enviados para o exílio na Babilónia estava Ezequiel, cuja vocação para ser profeta é descrita nas chs 1-3 do seu livro. Ele explica uma experiência que teve como uma “visão da semelhança da glória do Senhor” (1 :4-28). Deus fala-lhe chamando-lhe “filho do homem” e dizendo-lhe para profetizar a “Israel rebelde” e com estas frases são estabelecidas duas das características do livro. O Profeta é um mero mortal (o significado do termo filho do homem) e os israelitas que foram chamados a fazer aliança com Deus são apenas rebeldes que não procuraram fazer a vontade de Deus. A sua vocação como profeta é então descrita usando o simbolismo de um pergaminho:

“Foi então que vi uma mão estendida para mim, na qual estava um pergaminho escrito que foi desenrolado diante de mim. Estava coberto com escrita à frente e atrás e sobre ele estava escrito: Lamentação a lamentar e a sofrer! Disse-me ele: Filho do homem, come o que está diante de ti; come este pergaminho e depois vai, fala com a casa de Israel. Então abri a boca e ele deu-me o pergaminho para comer…e era tão doce como mel na minha boca. Disse ele: Filho do homem, vai agora para a casa de Israel e diz-lhes as minhas palavras”. (2:9-3:4)

O paradoxo da missão de Ezequiel resume-se neste imaginário. A palavra de Deus que ele tem de pregar envolve muitas lamentações e infortúnios ao apontar ao rebelde Israel que foi a sua própria pecaminosidade que os trouxe a esta crise. No entanto, ele também pregará uma palavra de esperança que espera um novo dia em que os israelitas fiéis regressarão a um templo restaurado.

Estes dois aspectos da sua pregação reflectem-se na estrutura do Livro. Os capítulos 4-24 são compostos de oráculos até ao tempo da destruição final do templo pelos babilónios em 587. Estes são pronunciamentos duros de julgamento sobre Israel pela sua infidelidade. A parte seguinte do livro (25-32) é constituída por profecias contra as nações que desempenharam um papel na queda de Israel ou que estavam dispostas a tirar partido da sua posição enfraquecida. Depois disso, a mensagem muda dramaticamente para uma mensagem de esperança e consolo, à medida que o profeta contempla o plano de Deus para o seu povo, agora que Jerusalém e o seu templo foram destruídos. Finalmente a última secção do livro (40-48) é uma visão de uma nova adoração de Israel num novo templo em Jerusalém.

p>As Quatro Visões
As visões de Ezekiel são encontradas em momentos importantes do livro e representam uma nova forma de apresentar a mensagem profética. Embora de antemão a tendência fosse simplesmente iniciar uma profecia com: “Assim diz o Senhor”, nos pronunciamentos de Ezequiel Deus são precedidos por visões dramáticas que comunicam a mensagem divina de uma nova forma. As visões acontecem porque a “mão do Senhor” vem sobre o profeta e, neste estado, é-lhe permitido ver o desdobramento do plano divino numa representação simbólica. Esta forma de revelar a intenção de Deus irá em breve evoluir para um género próprio conhecido como “apocalíptico”, ou seja, o desenho à parte do véu. Quando a era dos profetas termina, é seguida pela era do apocalíptico e o melhor exemplo deste escrito no VT encontra-se no livro de Daniel.p>A Visão de Deus (1: 1-3:15)
Nesta visão que marca a abertura do seu livro, Ezequiel descreve como viu uma tempestade vinda do norte e no meio da tempestade viu quatro seres vivos com aparências bizarras, cada um com quatro rostos e quatro asas. Acompanhando as criaturas estavam rodas brilhantes dentro das rodas e acima destas estava um trono sobre o qual estava sentado um que tinha a aparência de um homem. Tudo isto ele descreve como a semelhança da glória do Senhor e que está tão perto como nós, no VT, de alguém que afirma ver Deus. O simbolismo da visão expressa um tema que é importante em todo o livro: a glória e transcendência de Deus que está, ao mesmo tempo, inteiramente para além do conhecimento humano e que, no entanto, foi revelado a Israel. Como parte da visão, Ezequiel recebe o pergaminho para comer e sente que o espírito o agarrou. Toda a experiência o deixa num estupor de sete dias.p>A Visão de Jerusalém (8:1-10:23)

Esta visão é a descrição de um grande ponto de viragem na história de Israel. Desde a época de Salomão, cerca de 400 anos antes, o templo de Jerusalém tem sido considerado como a morada de Deus na terra. Tinham crescido tradições que o consideravam como o santuário inviolável de Deus que perduraria para sempre. Contudo, Jeremias tinha advertido contra tal presunção e agora com esta visão de Ezequiel torna-se claro porque é que o templo de Jerusalém não pode perdurar. O Espírito de Deus traz o profeta ao templo e mostra-lhe várias formas de profanação: adoração de ídolos pelos anciãos, mulheres que participam nos ritos dos babilónios, adoração do sol pelos sacerdotes. Tudo isto significa que a ira de Deus será desencadeada contra a cidade e o seu templo. Contudo, antes disso, a glória do Senhor deve partir e ao profeta é permitido testemunhar este acontecimento. Mais uma vez, a descrição é de criaturas bizarras e rodas cintilantes e um trono. Parte da cidade e fica no Monte das Oliveiras, a leste. O simbolismo foi concebido para mostrar que, embora a glória do Senhor tenha de facto repousado na casa de Deus, esta presença já não podia permanecer devido aos pecados de Israel. Com a sua partida o caminho está livre para a inevitável destruição do santuário.p> O Vale dos Ossos (37:1-14)
Provavelmente a mais conhecida das visões em Ezequiel, esta pertence àquela parte do livro que procura dar esperança aos exilados. Depois da sua hora mais escura, um novo dia está a amanhecer e esta será a obra do Senhor que dá vida a todos os seres vivos. Uma vez mais Ezequiel é trazido à luz “no espírito do Senhor” e vê uma enorme colecção de ossos secos, o próprio epítome da falta de vida. A única forma de os trazer à vida é através do sopro de Deus (em hebraico a mesma palavra ruah é usada para espírito e respiração) e é isso que acontece. O vale dos ossos secos torna-se um lugar onde um vasto exército se ergue em pé. A visão é então explicada enquanto Deus levanta o seu povo dos seus túmulos a fim de o trazer de volta para casa. Aqueles que ficaram sem esperança encontram-se agora renovados pelo espírito de Deus que lhes devolveu a vida.p> O Novo Templo em Jerusalém (40-48)
Nesta a mais longa e detalhada das visões, a catástrofe da destruição do templo é finalmente desfeita. Ezequiel é levado a uma alta montanha de onde pode ver a nova cidade e o novo templo que o Senhor está a construir. Ao testemunhar a glória do Senhor a deixar o templo, agora ele testemunha o regresso. A visão não só descreve um novo lugar de culto, mas também um sentido renovado da presença vivificante do Deus que lá habita. A água que brota do templo tem o poder de transformar até mesmo o Mar Morto. Há cura para as pessoas nas folhas das árvores que crescem ao longo da sua margem e há alimento constante e abundante nos seus frutos. A visão mostra como quando Deus está verdadeiramente no centro da vida do seu povo, então eles florescem e crescem.

No seu próprio tempo Ezequiel descreveu a destruição desastrosa do Templo em Jerusalém em termos da glória do Senhor que parte da cidade (11 :22). Do mesmo modo, ao mostrar a fidelidade de Deus que restaurará o seu povo e o ressuscitará, descreve a glória do Senhor ao regressar ao Templo (43:1-6). O sofrimento que o povo suportou com o cativeiro babilónico foi compreendido por Ezequiel como um castigo pelo pecado; no entanto, se o povo fosse completamente obliterado, o que diria isso do seu Deus? Então o profeta argumentou que enquanto cada indivíduo tem de aceitar a responsabilidade pelos seus pecados, o Deus de Israel também tem de agir em nome do seu nome. Assim, Deus agiria para salvar o seu povo, que era tão bom como morto, e o traria à vida através do Espírito que lhe seria dado (Ez 37, 39.27-29). Do templo restaurado, onde a glória de Deus habita, correriam as águas da vida trazendo abundância de crescimento e cura (47,1-12). Embora a destruição de Jerusalém fosse um acontecimento catastrófico, o profeta viu nela uma nova etapa no desenvolvimento da relação única entre Israel e o seu Deus. Desta forma Ezequiel deu uma profunda contribuição à teologia e fé de Israel e a sua mensagem inspira esperança até hoje.

p> Este artigo apareceu pela primeira vez em A Palavra (Janeiro de 2004), uma Publicação Missionária do Verbo Divino.

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